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Quais são as principais órteses de membros inferiores e suas indicações na neurofuncional?

Sabemos que grande parte da população brasileira é composta por inúmeras pessoas com deficiência (AGNELO e ISMAEL, 2015) e que as doenças neurológicas acometem cada vez mais pessoas ao redor do mundo.

Elas podem se desenvolver antes ou durante o nascimento, como o caso da Paralisia Cerebral, por exemplo, ou se desenvolver no decorrer da vida, como o Acidente Vascular Cerebral, as Distrofias, Lesão Medular, entre outras.

Independente da etiologia, as doenças afetam os sistemas nervoso e neuromuscular (ORTOJUF, 2017).

Nesses pacientes com doenças de acometimento neurológico, podemos usar, como coadjuvante no tratamento de reabilitação, alguns dispositivos auxiliares chamados órteses – do grego, orthosis, que significa orthos = reto/ direito/ correção + sufixo sis = ação, ou seja, ação de endireitar (REZENDE, 2006).

As órteses são aplicadas externamente ao corpo e têm inúmeras funções dentro da reabilitação de pacientes com sequelas decorrentes de doenças neurológicas (ARAÚJO, 2011). Especificamente nos membros inferiores (MMII) as órteses têm alguns objetivos principais (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2019):

  • Alinhar, prevenir ou corrigir deformidades;
  • Auxiliar, melhorar ou restaurar a mobilidade e função de um membro;
  • Facilita o ortostatismo;
  • Auxiliar na locomoção;
  • Proporcionar marcha funcional.

Mas para que uma órtese tenha um desempenho eficiente e permita resultados satisfatórios, a indicação pelo profissional de saúde (normalmente o Fisioterapeuta) precisa ser correta, bem como, a confecção da mesma deve ser feita por um técnico qualificado. (PINHEIRO, 2018).

As órteses são nomeadas de acordo com o(s) segmento(s) a que se relacionam. Assim, são considerados órteses de MMII desde calçados usados com propósitos clínicos, até as THKAFO – Trunk – Hip – Knee – Ankle – Foot Orthosis, as órteses Tóraco-podálicas (PINTO, 2009, p. 16). As mais utilizadas e suas indicações estão descritas abaixo.

  • Ankle – Foot Orthosis – AFO (Órtese Suropodálica): Indicações: Pacientes com sequelas neuromusculares de origem central ou periférica espásticas e flácidas. Existem vários tipos de AFO, a saber:
  • Supramaleolar (SMO): Com recorte acima dos maléolos, promove estabilidade porém não controla a dorsiflexão e a flexão plantar. Indicações: pacientes com instabilidade e desvios importantes em inversão ou eversão.
  • Dinâmica (Mola de Codeville, Leaf Spring): Permite movimento passivo de dorsiflexão com grande amplitude e limitação da flexão plantar. Indicações: pacientes com lesões periféricas ou paralisias flácidas, como lesão do nervo fibular – “pé caído”.
  • Articulada: Permite alguns graus de dorsiflexão. Indicações: pacientes deambuladores que apresentam movimentos passivos de dorsiflexão e com capacidade para extensão do joelho, seja em sequelas espásticas ou flácidas. Não indicadas: para cadeirantes, uso noturno, pacientes com marcha em agachamento (crouch gait).
  • Rígida (Fixa, Não articulada): Não permite movimentação articular do tornozelo. Indicações: pacientes com espasticidade grave e deformidades já instaladas em equino ou equino varo, bem como, aqueles que deambulam em crouch gait. Também indicada para uso noturno para manter o posicionamento alinhado.
  • Reação ao solo: Tem como principal objetivo a extensão do joelho durante a fase de apoio da marcha. Indicações: pacientes com fraqueza dos músculos sóleo e gastrocnêmio, pacientes diparéticos que têm marcha com flexão de joelho durante a fase de apoio.
  • AFO com estimulação elétrica: Com um sensor sob o calcâneo e os eletrodos de superfície nos músculos dorsiflexores. O sensor é acionado ao perder contato com o solo e a musculatura é estimulada, simulando o controle normal da marcha. Indicações: pacientes com lesões do tipo flácidas ou com discreta hipertonia.
  • Knee – Ankle – Foot Orthosis – KAFO (Órtese Cruropodálica/ Tutor Longo): Pode ser rígida ou articulada, com ou sem apoio isquiático. Restringe os joelhos na direção medial / lateral e hiperextensão. Indicações: pacientes hemiplégicos ou paraplégicos com controle pélvico e controle parcial sobre as articulações do joelho e tornozelo, sequela de poliomielite, lesão medular nível lombar, entre outros.
  • Órtese extensora de joelho (Goteira ou Lona extensora de joelho/ Órtese Cruromaleolar): Feita de lona e barras metálicas. Indicações: paralisia do aparelho extensor, manutenção do joelho em extensão para treino de ortostatismo e descarga de peso e em períodos pós-cirúrgicos. Também indicada para uso noturno para manter o alongamento de isquiotibiais.
  • Hip – Knee – Ankle – Foot Orthosis – HKAFO (Órtese Pélvico-podálica/ Inguino-podálica/ Tutor longo com cinto pélvico): As HKAFO possuem todos os componentes da KAFO adicionados à articulação de quadril e cinto pélvico. Indicações: pacientes com lesão medular acima da coluna lombar, para estabilização de tronco, pouco indicada para marcha, para pacientes que não apresentam controle sobre as articulações do quadril, joelho e do tornozelo. Pode ser adicionada de um componente torácico para pacientes sem controle de tronco. A articulação do quadril pode ser sem trava para pacientes com controle pélvico parcial e, com trava, para pacientes sem controle pélvico.
  • Trunk – Hip – Knee – Ankle – Foot Orthosis – THKAFO (Órtese Tóraco-Podálica): As THKAFO possuem todos os componentes da HKAFO adicionados à uma órtese torácica. (ESTAVA LOMBOSSACRA) Indicações: pacientes sem controle motor das articulações do quadril e MMII, utilizada para ortostatismo. Um exemplo de THKAFO é a RGO (Órtese de Reciprocação/ Mecanismo de Reciprocação) que, além de todos os componentes da THKAFO, permite o avanço do membro simplesmente com a descarga de peso do corpo sobre o lado contralateral. Em outras palavras, à medida que se estende um quadril, o quadril colateral automaticamente entra em flexão. Características: Tornozelos rígidos, hastes laterais rígidas. Indicações: pacientes com paraplegia, como sequela de Lesão Medular e Mielomeningocele.

As órteses acima são aquelas mais utilizadas dentro da reabilitação em neurofuncionalMas, independentemente do tipo de órtese a ser indicada, a prescrição pelo profissional deve estar correta e adequada e a órtese, bem feita pelo técnico ortesista para que, dessa forma, o uso e adaptação sejam mais simples e o processo de reabilitação tenha maior chance de sucesso.

 

Por Adriana de Freitas Sciammarella Carneiro
Fisioterapeuta da Profísio (Hospital de Reabilitação), Especialista em Fisioterapia Hospitalar pela UNIANDRADE-PR, MBA em Auditoria de Serviços de Saúde pelo IBPEX, Especialista em Osteopatia pelo CBES, Experiência em Órteses/Próteses/Meios Auxiliares de Locomoção.

 

Referência Bibliográfica

COVID-19 e Manifestações Neurológicas – Um olhar sobre a recuperação funcional no período pós infecção

A COVID-19 tem se apresentado como uma doença heterogênea, multifacetada e bastante complexa. Recentes estudos têm apontado uma ampla diversidade de sintomas / doenças neurológicos associadas ao coronavírus. As causas ainda não estão completamente esclarecidas mas acredita-se que, em parte, seja explicada pela extensa cascata inflamatória desencadeada pela infecção pelo coronavírus.

Dentre os principais sinais e sintomas do Sistema Nervoso Central (SNC) estão a tontura, a dor de cabeça e o comprometimento da consciência. Além disso, são reportados casos de doença cerebrovascular aguda, com acidentes vasculares cerebrais (AVC) geralmente em grandes vasos sanguíneos, ataxia, convulsão, alterações cognitivas e grande agitação psico-motora.

Com relação ao Sistema Nervoso Periférico (SNP), tem sido referidos alguns sintomas que inclusive têm auxiliado ao encaminhamento para o diagnóstico inicial da infecção pelo vírus, incluindo comprometimento do olfato e do paladar e da visão. Casos de polineuropatias, especificamente Guillain-Barré também têm sido associados ao coronavírus.

Alguns sintomas de lesão muscular esquelética têm sido relatados, com níveis muito altos da enzima creationofosfoquinase (CPK) e outros marcadores de destruição muscular. Casos de rabdomiólise começam a aparecer na literatura internacional, com casos reportados na China e EUA.

Todas estas alterações levarão à necessidade de uma equipe de Fisioterapia Neurofuncional preparada para o atendimento dessas pessoas após a saída do período crítico nas unidades de terapia intensiva e ambulatórios específicos. Um artigo sobre reabilitação após COVID-19 (Brugliera et al., 2020) cita que a Fisioterapia será uma das principais profissões na recuperação funcional dos pacientes.

Cientes de que estamos no inicio de todo o processo, resta ficarmos atentos e considerarmos que devido às condições clínicas causadas por imobilização prolongada e deteriorização musculoesquelética, mesmo nas pessoas que não necessitarem de internação, teremos sequelas como sarcopenia e limitações funcionais.

Assim, consideramos importantes aspectos o estabelecimento de metas terapêuticas que considerem:

  • Fortalecimento muscular progressivo, preferencialmente dos grandes grupamentos musculares e com objetivos funcionais, baseados na tarefa orientada;
  • Manutenção da mobilidade global;
  • Estímulo ao equilíbrio estático e dinâmico;
  • Trabalho respiratório, voltado para as sequelas da doença e também relacionados com o diagnóstico pulmonar prévio;
  • Trabalho aeróbio progressivo e de acordo com a possibilidade individual de cada paciente.

Por fim, quando o objetivo é a recuperação funcional, não podemos perder nosso “leme” que é a participação nas atividades rotineiras no próprio domicílio do paciente e também na sociedade em que está inserido, à medida que tudo vá se reestabelecendo.

 

Por Dielise Debona Iucksch

Fisioterapeuta e Mestre em Tecnologia em Saúde pela PUCPR, Doutoranda em Atividade Física e Saúde na UFPR, Coordenadora Prófisio do Ambulatório de Fisioterapia do Hospital de Reabilitação do Paraná e da Pós-Graduação em Fisioterapia Neurofuncional Adulto da Faculdade Inspirar.

 

Referências

Brugliera L, Spina A, Castellazzi P, Cimino P, Tettamanti A, Arcuri P, Iannaccone S. Rehabilitation of Covid-19 Patients. J Rehabil Med 52, 2020. doi: 10.2340/16501977-xxxx

Dafer RM, Osteraas ND,  Biller J. Acute Stroke Care in the Coronavirus Disease 2019 Pandemic. Journal of Stroke and Cerebrovascular Diseases, 104881, 2020. doi.org/10.1016/j.jstrokecerebrovasdis.2020.104881

Lau HM, Ng GY, Jones AY, Lee EW, Siu EH, Hui DS. A randomised controlled trial of the effectiveness of an exercise training program in patients recovering from severe acute respiratory syndrome. Aust J Physiother 51: 213–219, 2005.

Organização Mundial de Saúde. Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. Lisboa, 2015.

Oxley TJ, Mocco J, Majidi S, et al. Large-Vessel Stroke as a Presenting Feature of Covid-19 in the Young. N Engl J Med May,  2020.

Mao L, Jin H, Wang M, et al. Neurologic Manifestations of Hospitalized Patients With Coronavirus Disease 2019 in Wuhan, China. JAMA Neurol April 10, 2020. doi:10.1001/jamaneurol.2020.1127

Suwanwongse K, Shabarek N. Rhabdomyolysis as a Presentation of 2019 Novel Coronavirus Disease. Cureus 12, April, 4: e7561, 2020. doi:10.7759/cureus.7561

Toscano G, Palmerini F, Ravaglerini S, et al. Guillain–Barré Syndrome Associated with SARS-CoV-2. N Engl J Med May, 2020.